A correspondência, alguma dela merecedora de "bolinha vermelha", trocada entre os combatentes do Ultramar e as suas madrinhas de guerra está agora bordada em lenços de linho, numa iniciativa da Câmara de Famalicão para comemorar o 25 de abril. Bordados em tons de verde, imitando o camuflado militar, os Lenços das Madrinhas de Guerra perpetuam poemas de amor, palavras de conforto e mesmo muitas "maluquices" que ajudavam os soldados a "sentirem-se vivos" num cenário de morte.
"Sim, maluquices talvez, coisas de canalha, de adolescente", admite Maria de Lurdes, atualmente com 56 anos e que foi madrinha de guerra do Fernando. Sem querer abrir muito o livro, até porque alguma da correspondência trocada tinha sal e pimenta q.b., Maria de Lurdes confirma que as cartas serviam para os combatentes darem asas aos seus devaneios libidinosos e mostrarem "a sua raça".
"Ele era capaz de me dizer: gostava de te ter aqui comigo, fazia-te trinta por uma linha, nem lhe posso dizer muito o que ele me poderia dizer na altura", atira, com um sorriso esclarecedor. Se outrora escrevia cartas ao seu "afilhado guerreiro", hoje Maria de Lurdes ajuda a eternizar, em lenços de linho, excertos dessa correspondência.
Num lenço que já bordou, "maluquices" nem vê-las, já que a mensagem é, toda ela, com palavras de esperança, de força e de coragem: "soldado que levas a alma a brilhar, tu hás de vencer e hás de voltar".
No entanto, nos Lenços das Madrinhas de Guerra que a Câmara de Famalicão vai apresentar publicamente a 25 de abril não falta correspondência mais apimentada, como a daquele soldado que confessava estar em pulgas para saber "a cor das calcinhas" da madrinha.
Maria Fernanda garante que este não era, de todo, o teor das cartas que trocava com Manuel Ferreira, quando aquele que viria a ser o seu marido combatia em Angola. "Dizia-lhe que gostava dele, que estava ansiosa que viesse embora, mandava-lhe um beijinho. Era uma escrita decente", refere. Manuel foi apanhado por uma mina, ficou sem uma perna mas não ficou sem a sua Maria. Estão casados há 44 anos e são um testemunho vivo de um amor à prova de guerra.
São histórias de amor, como esta, mas também de provocação, de sedução e de amizade, "bordadas" entre tiros de metralhadoras e rebentamentos de minas, que os lenços das madrinhas querem registar para a posteridade. A responsável do Gabinete do Património Cultural e Imaterial da Câmara de Famalicão, Vitória Triães, diz que esta é uma forma diferente, "mais enamorada", de celebrar o 40.º aniversário do 25 de abril, uma revolução que significou o fim da guerra colonial.
Famalicão tem o único Museu da Guerra Colonial a nível nacional, que no seu espólio reúne muita da correspondência trocada entre soldados e respetivas madrinhas. Segundo Vitória Triães, desse espólio surgiu o "clique" para criar um produto único, que alie a tradição dos bordados à história da guerra colonial.
Os lenços são bordados por um grupo de mulheres desempregadas, no âmbito de uma ação de formação ministrada pela Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Ave, entidade que também assegura a certificação de cada exemplar, através da aposição de um botão "made in Famalicão".
Fonte
VCP // MSP
Lusa/fim